Carta na Escola
5 de novembro de 2010 às
16:36h
"O professor nunca deve proibir um livro. Mesmo que a obra seja ruim ou inadequada, a missão do educador é fazer o aluno entender os motivos disso".
Por Moacyr Scliar
O romance de Ray Brad-bury, Fahrenheit
451, publicado em 1953, fala-nos de um futuro em que opiniões pessoais e
o pensamento crítico são considerados coisas perigosas e no qual todos
os livros são proibidos e queimados: o número 451 do título refere-se à
temperatura (em graus Fahrenheit) na qual o papel pega fogo. Trata-se,
obviamente de ficção, mas houve momentos em que essa ficção expressou a
realidade.
A censura acompanhou como um sombrio espectro boa parte da
história da humanidade. O próprio termo “censor”, que é latino, data do
século quinto antes de Cristo, quando o Império Romano delegou a
funcionários a tarefa de moldar o caráter das pessoas. Mas não só em
Roma acontecia isso; na Grécia clássica, em 399 a.C., o filósofo
Sócrates foi condenado à morte por difundir entre jovens ideias
consideradas perigosas. Desde então, não foram poucos os regimes
totalitários que prenderam ou mataram aqueles que ousavam contestá-los.
A
partir da invenção da imprensa, por Johannes Gutenberg, no século XV, o
livro impresso passou a ser um alvo preferencial nesse processo. Já em
1559, a Igreja estabelecia o Index Librorum Prohibitorum, a lista de
livros que os fiéis não podiam ler, e que teve mais de 20 edições, antes
de ser definitivamente suprimida em 1966. As autoridades civis exerciam
poder semelhante; em 1563, o rei Carlos IX, da França, baixou decreto
estabelecendo que nenhuma obra podia ser impressa sem permissão do rei.
Nos séculos que se seguiram, e sob várias formas e pretextos, livros
foram proibidos e até queimados, como aconteceu na Alemanha nazista. Os
motivos, ou pretextos, eram de várias ordens: morais, políticos,
militares. Nos Estados Unidos, em vários lugares e por várias
instituições, foram censurados livros como Chapeuzinho Vermelho (numa
das versões a menina oferece vinho para a sua avó), Alice no País das
Maravilhas (os animais falam com linguagem humana), a coleção Harry
Potter (supostamente promove bruxaria). Numa época, direções de escolas
no Rio Grande do Sul proibiram os livros de Erico Verissimo, porque
achavam ser imorais.
No Brasil, tivemos um período de censura severa,
quando do regime autoritário (1964-1985). As razões apresentadas não
raro beiravam o ridículo; numa exposição de “material subversivo”
apreendido em Porto Alegre, havia um livro com a seguinte legenda: “Obra
esquerdista em chinês”. Era uma Bíblia em hebraico. Mais recentemente, e
nas escolas, surgiram problemas com livros que narravam cenas de sexo e
de violência, às vezes selecionados por técnicos da área educacional.
Por outro lado, sabemos que a disseminação da pornografia e da violência
é cada vez mais frequente. E isso sem falar na questão do politicamente
correto, que procura evitar palavras ou expressões potencialmente
ofensivas a grupos étnicos ou religiosos, ou a opções sexuais.
Pergunta: o que devem fazer os pais e educadores diante dessa
situação?
Creio que uma expressão consagrada pela saúde pública aqui se
aplica perfeitamente: é melhor prevenir do que remediar. E isso por uma
simples razão: é tão grande o volume de informações atualmente
disseminadas, não só por livros, mas também pela internet, por vídeos,
pela própria tevê, que é impossível evitar o acesso de crianças e jovens
a esse material. O melhor é prepará-los para que possam identificar os
potenciais riscos que estão ocorrendo. Mas há um aspecto adicional.
Esses riscos não são como os do fumo ou das drogas, substâncias sempre
nocivas, e que, em qualquer dose, envenenam o organismo. O material
veiculado pelos meios de comunicação pode se transformar numa fonte de
aprendizado. É como vacinar uma pessoa: ela é inoculada com germes
inativos e seu organismo preparará anticorpos que vão defender essa
pessoa de doenças. Isso exige um estreitamento dos laços entre pais e
professores, de um lado, e os jovens de outro. No caso da tevê, por
exemplo, é muito bom que o pai ou a mãe sente ao lado da criança e
converse com ela sobre o que aparece na tela. Também é muito bom que os
pais leiam para os filhos quando esses ainda são pequenos. Isso, além de
introduzir a criança ao mundo dos livros, representará um vínculo
emocional que persistirá por toda a vida. O menino e a menina associarão
o livro à imagem protetora do pai ou da mãe.
Em relação à escola, vale o
mesmo raciocínio. Quando um jovem me pergunta que livros deve ler,
respondo: “Em primeiro lugar, aqueles que os professores indicam; eles
conhecem o assunto, eles têm condições de fazer boas recomendações”. Mas
nunca digo que o jovem não deve ler tal ou qual obra, tal ou qual
autor. Meu aprendizado como leitor passou por livros que depois
considerei tolos ou ruins. Mas isso foi útil para que eu pudesse
aprender a formar o meu juízo crítico. Na leitura, a gente avança pelo
método de tentativa e erro, de aproximações sucessivas.
Em resumo,
proibir ou censurar, não. Recomendar, debater, ensinar, sim. Vivemos num
mundo cheio de imperfeições e perigos, e o que podemos fazer com nossos
filhos e alunos é ensiná-los a navegar por esse mar turbulento, em
navios cujas velas são as páginas da grande literatura. Ler é aventura,
ler é paixão.
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